sábado, 12 de novembro de 2011

O Pai do menino que olha para cima


Quando olhei para cima, pensei: “Caramba! Se eu tiver metade da tua beleza e sedução, terei um harém". Logo depois, retifiquei: “Mas se eu tiver isso tudo, serei o melhor partido do bairro. E se eu for esse partido, logo serei pedido em casamento; portanto, terei que escolher". Depois olhei de novo para cima e percebi, pelo olhar dele, que eu escolheria o amor pela família e o sentido de companheirismo; escolheria ouvir boa música e adquirir o que de mais agradável fosse aos ouvidos e ao espírito. Teria um certo humor sarcástico ou incurável. Seria um bom condutor de automóvel, mas nem tão ás nas questões financeiras. Tudo bem, confesso: eu torcia pela Tuna Luso Brasileira porque adorava ir com meu pai aos jogos no nosso Fusquinha ou na Kombi de um comerciante português que morava perto de casa. Era um asseio n’alma ver, à noite e ao longe, as luzes do Mangueirão já desde o Entroncamento. Mas eu não tinha culpa se a Tuna sempre perdia para um time de azul e branco, pelo qual passei a torcer inevitável e fervorosamente. Olhei pra cima e recebi o perdão por ter me desviado do caminho que ele traçara. E aprendi também que a vida tem caminhos e trilhas, mata e areia, lama e deserto, e que tudo é caminho, mesmo sem estrada. Aprendi “de cor e salteado” o Hino do Pará nas aulas de canto aos 9 anos, junto com meu irmão, de 6; e ele era professor exigente e sacana. Recebi outros perdões, como quando omitia as notas vermelhas no Colégio e dizia apenas as melhores, em Geografia e Redação, e só; assim como também quando demos o desdobro em nossa tia, em Mosqueiro, para jogar bilhar, na época da PATAM (o temível Patrulhamento Tático Metropolitano). Ele acabou sendo nosso parceiro de taco daquele dia em diante. Às vezes olho para cima e ainda penso: “Se eu não for pai, quero ao menos continuar sendo seu filho”.  

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Clarice adoescente...


Ainda trêmulo, sob o impacto da última entrevista de Clarice Lispector, concedida a Julio Lerner, da TV Cultura de São Paulo, em fevereiro de 1977. Foi no curso de Mestrado em Estudos Românicos, na aula da Profa. Clara Rowland – ontem à noite, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa –, que tive a chance de ver com clareza e ouvir com nitidez pela primeira vez Clarice em posição de defesa, ali enfadonha e genial na frente do entrevistador (ele, um domador iniciante que enfrenta o grande felino tendo a obrigação de fazer o show dar certo para o público). Cansada e triste (uma adulta, com voz de criança que ainda não domina todos os fonemas da língua), Clarice, a fera, morreria meses depois desse encontro, em dezembro de 1977, mas antes deixaria uma de suas sentenças mais esvoaçantes e certeiras: “Eu não sou uma profissional, eu só escrevo quando quero”. Sem querer, esse seria um recado àqueles que vivem às expensas de editoras e estúdios de cinema, como J. K. Rowling, Paulo Coelho, J. R. Tolkien, Stephenie Meyer, entre muitos outros que se arvoram em mostrar sua mais nova produção de sucesso, quase sempre o mais do mesmo, sem ser sucesso, tendo a obrigação de vender e ser... sucesso.   Ainda tremo, adolescente, aos pés de Clarice, adoescente.